quinta-feira, 3 de setembro de 2015

O MENINO NA AREIA

O menino na areia não é sírio.
O menino na areia não é refugiado.
O menino na areia não respira.
E não respiram todos que viraram o rosto para o rosto virado na areia.
Ele, o menino na areia, é o arame farpado na fronteira, é o lorde de peruca no parlamento, é o trem sem janelas na estação fechada de todos os países. O menino na areia é alemão, é húngaro, é inglês. E também é argentino, brasileiro e judeu.
O menino na areia vive (e morre) na periferia de sua atenção, embaixo do tapete, no rodapé do jornal que não existe mais. O menino na areia é a especulação, a taxa de câmbio, o spread bancário e o socialista de botequim. O menino na areia é o menino deitado, de rosto virado para os cegos do outro lado da areia.
Cegos que, ontem, finalmente, viram o menino na areia.
E viram no livro dos rostos, que não estavam virados, mas ocupados, entre festas na areia, carros importados e guerrilhas ideológicas.
Ontem, todos nós vimos o menino na areia.
Mas o rosto, virado na areia, não era o do menino na areia.
- Olhe de novo, menino na areia.
Por Felipe Pena

A crise da imigração na Europa mostrou nesta quarta-feira (02/09/2015) seu lado mais cruel e uma família virou símbolo do drama da imigração. A imagem de um menino sírio de 3 anos, morto, numa praia da Turquia, com o rosto virado para a areia, circulou o mundo. O pai do menino rejeitou a oferta de asilo feita pelo Canadá. Ele também perdeu a mulher e outro filho no naufrágio e disse que vai voltar para a Síria e enterrar a família. A foto tão chocante foi exibida no Estúdio i com um tratamento especial.
O menino se chamava Aylan Kurdi. Seu irmão mais velho, Galip. A família havia fugido do avanço do Estado Islâmico na Síria. Não era uma questão de opção. Era questão de sobrevivência. A morte de crianças é o símbolo mais perverso do desespero das centenas de milhares de imigrantes que fogem da violência e da miséria na África e no Oriente Médio para tentar a vida na Europa. Aylan está morto e agora só resta à humanidade desumana morrer de vergonha.

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