domingo, 25 de agosto de 2013

PESSOA COM DEFICIÊNCIA: NÃO É SÓ MAIS UMA EXPRESSÃO

Tenho andando distante das postagens, mas muito próxima do trabalho, dos muitos trabalhos nestes múltiplos caminhos que escolhi trilhar. No entanto, não compartilhar essas andanças é deixar de compartilhar alegrias. Por isso, vou fazer (aos poucos) uma pequena retrospectiva das tantas andanças desses últimos dias. Começo pelo fim, com a publicação de um texto meu no Riovale Jornal (aqui de Santa Cruz do Sul), onde falo um pouco sobre as expressões "portador de deficiência" e "pessoa com deficiência". Vale lembrar que estamos vivendo aqui no Brasil a "Semana Nacional da Pessoa com Deficiência" e que eu, além de contadora de histórias e educadora, sou também fisioterapeuta.
Há alguns dias fui convidada (e desafiada) a falar sobre a diferença entre as expressões “portador de necessidades especiais”, “portador de deficiência” e “pessoa com deficiência”, no Fórum de acessibilidade e inclusão de pessoas com deficiência, que aconteceu esta semana, na UNISC.
Desde 1964 celebra-se no Brasil, de 21 a 28 de agosto, a “Semana Nacional da Pessoa com Deficiência Intelectual e Múltipla”. Na verdade, em 1964, o Decreto n° 54.188, instituiu a “Semana Nacional da Criança Excepcional”.  Pessoa com deficiência, criança excepcional, pessoa inválida, portador de deficiência, portador de necessidades especiais... Faz diferença o termo que se utiliza?! Com certeza. O modo como nos referimos, como tratamos as pessoas, nos dirigimos a elas, faz diferença, pois reflete um modo de pensar e também de estar no mundo.
Muitos termos já foram empregados para designar as pessoas com deficiência. O uso dessas expressões sempre esteve inserido em um determinado contexto social. A cada época os termos usados para definir as pessoas com deficiência têm significados que entram em consonância com os valores vigentes em cada sociedade. 
Na legislação brasileira, atualmente, o termo ainda mais utilizado é “pessoa portadora de deficiência” (Decreto nº 3.298, de 20 de dezembro de 1999, que regulamenta a Lei no 7.853, de 24 de outubro de 1989), mas na Convenção Internacional para Proteção e Promoção dos Direitos e Dignidade das Pessoas com Deficiência (2007), ficou decidido que o termo mais adequado seria “pessoas com deficiência”.
Uma questão que precisa ser repensada neste contexto é o uso da expressão “portador”, que remete a uma condição de portar algo, levar algo consigo. Quando portamos uma cédula de dinheiro, podemos ser roubados. Enquanto portadores de um relógio, podemos esquecê-lo em casa. Quando necessitamos portar um objeto, podemos optar em não levá-lo conosco. Observe que tanto o verbo “portar” como o substantivo ou o adjetivo “portador” não se aplicam a uma condição que é constitutiva da pessoa, neste caso, uma deficiência.
Existem várias definições de deficiência de acordo com o tipo de limitação verificada. A deficiência pode ser auditiva, física, mental, visual ou múltipla. De qualquer modo, o conceito válido legalmente é aquele contido no artigo 2º, inciso II, do Decreto nº 1.744/95, que regulamenta a Lei nº 8.742/93 e que considera como pessoa portadora de deficiência “aquela incapacitada para a vida independente e para o trabalho em razão de anomalias ou lesões irreversíveis de natureza hereditária, congênitas ou adquiridas, que impeçam o desempenho das atividades da vida diária e do trabalho”.
Creio que o entendimento desses aspectos é necessário para que possamos nos expressar de modo coerente, sem medo de sermos insensíveis. Mas há ainda outro termo, muito utilizado e que, pessoalmente, me incomoda, que é “pessoa com necessidades especiais”.
O que significa ter necessidades especiais, afinal? O que são necessidades especiais? Como seres humanos, possuímos necessidades básicas (como água, alimentação e vestuário), “necessidades” que são supérfluas e também necessidades especiais. No contexto aqui exposto, necessidade especial é aquela indispensável para que as pessoas possam exercer e usufruir de sua cidadania (como as cadeiras/ classes especiais para canhotos, os assentos maiores para as pessoas obesas nos meios de transporte ou recursos educativos adaptados às necessidades de cada sujeito). O que me incomoda no uso da expressão “especial” é o fato de fazer parecer que uma pessoa tem algo que a torna melhor (mais especial) que as outras, já que diferentes todos nós somos.
“Pessoa especial” ou “portador de necessidades especiais” são expressões que me impacientam como pessoa e como profissional, uma vez que não creio que contribuam para a conquista da garantia de direitos, equiparação na igualdade de acessos, adequações ambientais, distintas estratégias educacionais - e compreendo que estas são questões fundamentais nessa discussão. 
Estas duas expressões (pessoa especial ou portador de necessidades especiais) ganharam uma nova dimensão pessoal para mim. Hoje, como mãe de uma criança com uma deficiência motora, essas expressões me incomodam um pouco mais. Quando me perguntam se tenho um filho especial, respondo (ou penso em responder): - Não, tenho dois filhos especiais, maravilhosos e com habilidades diferentes, um deles tem uma deficiência motora e outro não.  Quando me dizem que sou uma “mãe especial”, eu sempre respondo: - Não, sou apenas mãe de dois meninos.
Acredito que o que nos faz especiais são nossas atitudes e não nossa condição física, sensorial ou intelectual. Creio que estas são questões que nos fazem repensar nosso modo de estar na relação com as pessoas de maneira realmente especial, afetiva e ética. Não posso falar pelas pessoas com deficiência, não posso colocar-me no lugar delas, falo como alguém que convive bem de pertinho, pessoal e profissionalmente, com muitas pessoas com deficiência. Por esta razão, sei que o que torna as pessoas especiais não são suas deficiências, mas o fato de serem pessoas.
               

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